“Preciso de férias.”
Ouvi essa frase por mais vezes que poderia contar, mas esse momento específico em que a frase foi proferida foi diferente: veio de mim e era de fato uma necessidade.
Isso aconteceu no minuto que sucedeu o toque irritante de meu alarme às seis da manhã em um dia qualquer da semana. Um dia qualquer que assim como tantos outros me parecia já ter dado errado antes mesmo de começar.
Lembro que fechei os olhos por mais dois minutos, tentando conjurar o pior cenário possível caso eu simplesmente decidisse não ir trabalhar naquele dia. Não era a primeira vez que aquilo acontecia, assim como sei que talvez quem esteja lendo esta crônica agora se reconheça nesse sentimento.
Talvez eu possa faltar só hoje…
Eu não precisava de férias, eu precisava de uma demissão.
Precisava demitir de mim o desânimo constante com a minha própria vida.
Desde pequenos somos ensinados a ter essa relação de conformismo com a ideia do trabalho ser algo que teremos que aturar. “Prazer é para o tempo livre”, dizem por aí.
Acho que não reconhecemos a gravidade de viver desejando pelo fim do dia. Claro que existimos em um mundo desigual onde o “largar tudo para fazer o que se ama” não é nem de longe uma possibilidade para todos, mas não é sobre isso que quero falar.
O tema de debate é o fato de reproduzirmos um sistema que só se mantém nas costas do sofrimento de quem não tem escolha. Naturalizamos o martírio causado por um trabalho que não nos satisfaz como parte da vida.
Mas parte da vida de quem?
Que bobagem aceitarmos de bom grado que demos azar na loteria da vida quando ela é constantemente manipulada por quem quer continuar no controle da manipulação. A sociedade se desenvolve de um determinado jeito porque somos nós que fazemos isso.
É hora de mudar o que não se pode aceitar
A sociedade somos nós e ela não é imutável. Nós não somos imutáveis. E não há porque aceitar um modelo que aprisiona a maior parte da população para a conveniência de uma pequena percentagem.
As mudanças só acontecem a partir de um desagrado, por que hesitamos tanto em sequer questionar que uma mudança é necessária? Confundimos comodismo com consentimento.
Não consentimos a uma rotina que nos acorrenta, nos acostumamos a ela como nos acostumamos a tantas outras coisas que não acreditamos sermos capazes de mudar.
Essa é uma das maiores falácias sociais: a lenda de que o povo não tem poder.
O povo só tem poder.
Não só somos a maioria como somos os responsáveis por fazer a máquina funcionar. Sem o povo, o mundo quebra. Afinal, estamos vivendo em um claro exemplo disso em tempo real.
Não precisamos de férias, precisamos de uma revolução.
No dia em que percebermos que somos nós os responsáveis por escrever o nosso destino, deixaremos de nos contentar com concessões que nada mais são do que migalhas deixadas por quem devorou um pão inteiro.
Foto em destaque retirada do site Unsplash em concordância com os direitos autorais. Autoria de Shazmyn Ali.
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