
O meu maior crime é humanizar a perfeição
Desde muito nova, coloquei na cabeça que era possível ser melhor do que eu era. De certo modo, isso é ótimo, né? Estava empenhada em perseguir a melhor versão de mim mesma. Só que o carro capotou quando perdi o controle da direção e decidi que era possível humanizar a perfeição.
Veja bem, convenci a mim mesma que a perfeição era uma utopia alcançável. De lá pra cá, foi só ladeira abaixo.
- se tirasse menos do que um dez, entendia aquilo como um atestado de incapacidade;
- um erro deixou de ser só um erro, passou a ser um ultimato;
- nem um esforço era bom o suficiente.
Tornei-me obcecada com a ideia de que a Gabriela futura era a ideal, logo a Gabriela do presente nunca poderia se comparar.
A rejeição do presente na obsessão pelo futuro
Essa sementinha que plantei criou raízes e se espalhou para a vida adulta. Em resultado, estabeleci parâmetros irreais de sucesso que até hoje me frustram. É impossível conseguir atingi-los.
Um belo exemplo disso é o seguinte: há alguns meses, tive a ideia para um livro de ficção. Tem tudo a ver com as mensagens que quero transmitir pro mundo e com as ideologias que eu defendo. Sentei, estruturei os personagens, o enredo, início e fim, e aí… Nada.
Por quê? Porque existem tantos cursos de escrita criativa que ainda não fiz. Há vários artigos sobre criar as cenas mais espetaculares que não conheço, outros muitos livros que não li ensinando a escrever ficção e diversas aulas com os escritores mais consagrados do mundo a serem assistidas.
Como posso criar uma obra se há tanto a saber? Sento para trabalhar e penso: que base tenho para escrever um livro que mistura suspense e drama? Não sou Gillian Flynn ou Liane Moriarty. Não sei criar narrativas envolventes como a Elena Ferrante nem nada.
Quem é Gabriela Araujo na fila do pão?
Separo três horas para escrever. Ao invés, listo 30 cursos que preciso fazer para me profissionalizar e mais 50 livros que vão me ensinar a ser uma boa escritora. Ignorando o mais importante de tudo: para ser uma boa escritora eu preciso escrever.
Então fico esperando o efeito de mil e uma palestras interceder sobre o meu ser, porque aí sim vou estar mais preparada. Aí sim, vou ser um sucesso. Afinal, não posso insultar escritores que já existem, publicando uma obra qualquer.
Não quero ouvir de terceiros que poderia ter sido melhor ou que tinha potencial, “mas”. Quero superar as expectativas. E me perco apaixonada por um futuro que não aconteceu, por medo de arriscar num presente e me decepcionar.
O elemento-chave é o progresso
O mais curioso nessa insistência em humanizar a perfeição é que, ainda que a perfeição fosse algo palpável, jamais seria absoluta. Ou seja, cada um teria sua própria ideia de perfeição.
E não importa o que façamos, jamais conseguiríamos ser o reflexo da perfeição para todo mundo.
Aliás, cá entre nós, está na hora de aceitar que ser perfeito é bem entediante.
Comecei a duvidar desse modus operandi de humanizar a perfeição quando me perguntei: a partir do momento que não se pode mais evoluir, qual o sentido em existir?
É como a série The Good Place, uma excelente história que fala sobre os conceitos de vida, morte, vida após a morte, ética, moral e evolução. O final da série disse muito sobre essa ideia de “felicidade plena” ou “total perfeição” ter o seu prazo de validade, porque o valor principal está no caminho.
Agora sei que o que me move é o pensamento de que amanhã algo vai me surpreender, me fazer refletir ou me revolucionar de alguma maneira. Isso me dá algo pelo que esperar.
Estar em constante progresso não é uma conclusão que deveria nos podar, e sim nos motivar.
Poder ser melhor do que somos não representa que não somos suficientes, somente representa que ainda temos vida para viver.
Tento não mais deixar de fazer alguma coisa porque não vai ser tão boa quanto ainda pode ser.
Faço e no amanhã, ao olhar para trás, terei orgulho de ter arriscado subir os degraus ao invés de ficar parada esperando que o topo fosse até mim.
Faço e no amanhã, ao olhar para o ontem, saberei que hoje sou melhor porque ousei me mover.