É curioso que quando adultos somos negados o chamego que recebe uma criança.
A vida real é que personifica os monstros que viviam debaixo de nossas camas e nos fazem desejar aqueles tempos em que eles eram somente ameaças que nunca se concretizavam.
Quando crescemos é que percebemos a cobrança vinda de todas as direções para parecer imbatível, não importa o que esteja acontecendo debaixo da superfície.
Cubra essa alma com qualquer farrapo de força que encontrar.
É só nessa época que entendemos que vamos passar a vida buscando pelo significado de tudo ao nosso redor e que talvez nunca descubramos.
Quando nos tornamos adultos notamos que nossas necessidades nem sempre andarão junto às nossas vontades, e que ambas nem sempre andarão junto às nossas possibilidades.
É aí que passamos a assumir nossas responsabilidades, e às vezes as dos outros também, quando o que mais queremos é jogar tudo para o alto e deixar que terceiros lidem com as consequências.
Querer chamego, mas não saber como, para quem ou se podemos pedir. É constantemente ceder espaço de fala aos que mais necessitam ouvir.
O ser adulto é:
Ser adulto é um tal de fazer muito do que não se quer e muito pouco do que se precisa.
É quando tomamos para nós mais do que de fato podemos suportar e fazemos o possível para dar conta de tudo sem sucumbir ao desejo de desistir. Desistir é, quase sempre, bem mais simples do que persistir.
Ser adulto é, sobretudo, nos surpreender a cada dia com a extensão de nossa garra.
É um tal de conversar bastante com si mesmo ao invés de expor aos outros o que precisamos dizer a eles.
É de vez em sempre se anular em nome do medo e da rejeição, para em seguida ter que prestar contas com a própria solidão.
Passar boa parte das noites em claro procurando por soluções no teto mal iluminado de nossos quartos e só encontrar mais problemas.
Ser adulto é precisar de muito chamego para alimentar nossa vontade de viver, mas essa informação parece ter se perdido no manual de necessidades básicas porque é algo que recebemos em uma escala de pouco a nada.
O ser adulto faz:
É por muitas vezes disfarçar nossa vulnerabilidade com uma ilusão bem elaborada. É segurar o choro até que estejamos longe de olhares curiosos e somente com a nossa consciência de testemunha.
Nunca saber ao certo o que fazer e fazer algo ainda assim, torcendo por resultados positivos.
Caminhar até quando os pés sangram, a boca seca e o corpo adoece, porque não nos dão alternativa.
O mundo não é gentil com os adultos e os adultos não são gentis com o mundo, feito por eles para eles.
O que nós estamos fazendo com nós mesmos?
Texto publicado originalmente no Medium em abril de 2020.
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