
#1 Janeiro de 2025: as leituras que marcaram
E não é que resolvi espanar a poeira e remover as teias de aranha do blog?
Lembro que eu gostava tanto de escrever para o blog, primeiro o Negra em Movimento (em que falava de viagem pela perspectiva de uma turismóloga, minha formação na faculdade), que não existe mais. Depois comecei a blogar sobre temas de carreira e desenvolvimento pessoal, na época que migrei de área de trabalho (primeiro começando a atuar como redatora, depois passando para o mercado editorial em tempo integral).
Venho pensando em um tempo a voltar, desde que contratei a maravilhosa Lai Cabral para fazer minha identidade visual e repaginar meu site. E agora, em tempos de grande instabilidade virtual e a maior tomada do conservadorismo nas redes sociais, penso que mais do que nunca é importante termos um espaço que é só nosso. Mesmo que com pouco (ou nenhum alcance). Vai que em um desses acasos da vida alguém chega por aqui.
Resolvi voltar com minha listinha de favoritos de janeiro, e todo mundo gosta de uma lista, né? Também quero fazer outras listas (como de livros sobre maternidade que li para a escrita de meu primeiro romance – ficou sabendo? Depois de quatro anos, acabei o livro!). Nessas listinhas do mês, contudo, só entram as leituras que fiz por lazer. Quando for as que fiz por trabalho, vou sinalizar.
Minha pretensão nestes posts não vai ser ranquear os livros, e sim falar um pouquinho deles individualmente porque muito me marcaram. Assim sendo, a ordem dos livros vai ser de acordo com minha ordem de leitura mesmo, indo do que terminei antes para o que terminei depois. Sem spoilers!
Pode se chegar e se aconchegar. A casa é nossa 🙂
Everything I never told you
Celeste Ng

Já começo dizendo que ADORO a escrita da Celeste. Eu já tinha lido Little fires everywhere (publicado no Brasil pela editora Intrínseca em 2018 com o título Pequenos incêndios por toda parte e tradução de Julia Sobral Campos) faz muitos anos. Esta obra aqui eu havia adquirido fazia anos também e foi descendo na lista interminável de leituras que só cresce.
Fiz a leitura em inglês, mas o livro foi publicado no Brasil também pela editora Intrínseca em 2017, com o título Tudo o que nunca contei e tradução de Julia Sobral Campos.
Este livro conta a história da família Lee, uma família sino-estadunidense que precisa lidar primeiro com o desaparecimento da filha adolescente, e então com a realidade da morte dela quando o corpo é encontrado. Essa tragédia acaba por lançar luz às rachaduras que existem nos membros restantes da família: o pai, a mãe, o filho mais velho e a filha caçula. Também como também traz flashbacks de anos anteriores ao que aconteceu, contribuindo para termos a imagem toda do quebra-cabeça que compõe a família.
É um drama familiar muitíssimo bem construído, e penso que a escrita da Celeste capta bem essas nuances e todas as bolhas criadas em meio à convivência e às relações. Quando por tantas vezes deixamos de expor um pensamento ou um desejo, quando afogamos uma necessidade em prol do conforto alheio, e como todas essas pequenezas vão se agrupando e se espalhando conforme os anos passam, até que por fim precisam encontrar uma válvula de escape.
Foi uma história que me fez refletir muito sobre como tantas vezes nos calamos para preservar um senso de normalidade ou felicidade, quando é bem possível que, tentando esconder ou não, as nossas insatisfações e amarguras vão amargando todo o cotidiano até criar um puro dissabor da vida.
Não fossem as sílabas do sábado
Mariana Salomão Carrara

Um livro do qual eu havia ouvido falar MUITÍSSIMAS vezes e que, com certeza, merece toda a aclamação que recebe. A escrita da Mariana me arrebatou, e ainda não voltei para o corpo.
Publicado em 2022 pela editora Todavia, Não fossem as sílabas do sábado é uma ficção contemporânea em que acompanhamos a história de Ana, uma mulher que precisa lidar com a revolução dos dias a partir da morte (um tanto peculiar) do marido, André. Grávida, ela precisa lidar com o luto repentino quando mal consegue digerir tamanha mudança. Tal mudança traz também a presença de uma nova figura em sua vida, Madalena, sua vizinha.
Desta obra já começo gostando muito do título. Quando a narrativa se desenrola e compreendemos tudo o que as sílabas do nome carregam, já se entende ali que o livro tem a proposta de nos revirar. Adoro os jogos de palavras e as metáforas que Mariana usa aqui. Adoro como ela traz uma perspectiva do luto a partir das simplicidades do cotidiano, como quando pensa em como explicaria para os móveis e para as plantas do marido que o André não voltaria. Acho isso tão singelo e tão bonito, porque de fato a falta que sentimos de quem se foi muitas vezes está nas minúcias, no farelo de pão que não se acumula na mesa, na estação de rádio que não se ouve aos domingos etc.
Gosto que é uma história de ambiência simples e potência máxima, que descreve os sentimentos muitas vezes por meio de associações, e as dores por meio da ausência de foco, de porquê. Apesar de Ana ser uma personagem com um lugar social bem demarcado, uma mulher branca de classe média, arquiteta, sinto que também há um aceno a este lugar na história. Ao longo da trama ela lida com Francisca também, por exemplo, a babá que contrata para os cuidados da filha, e a interação dela com essa terceira mulher deixa bem nítido o lugar social que Ana ocupa e suas formas de pensar em virtude disso.
De todo, foi um prazer conhecer a forma de escrever da Mariana. Com certeza é um estilo que vai ficar comigo e me inspirar.
Friday Black
Nana Kwame Adjei-Brenyah

Fiz a leitura em inglês, mas o livro foi publicado no Brasil pela editora Fósforo em 2023, com o mesmo título e tradução de Rogério W. Galindo.
Sou completamente fissurada por distopias, e este ano minha meta é ler mais delas, e ler mais de ficção especulativa, no geral. A primeira vez que li o nome do Nana foi no ano passado, quando a Fósforo fez o evento de lançamento do novo livro dele, Os superstars da cadeia, também com tradução de Rogério W. Galindo, em São Paulo, e o autor veio ao Brasil para o evento, que teve mediação de meu querido amigo (e ídolo) Stefano Volp.
Depois de ler uma única obra do Nana, já sou fã. Friday Black é uma coletânea de doze contos distópicos (que por vezes fazem uso da ficção científica) que, em sua diversidade, tratam de raça, violência, consumo exacerbado, desigualdade social etc., em uma forma de narrar que é caricata, cínica, de humor ácido e grotesca ao mesmo tempo.
Alguns contos eu terminava de ler e ficava olhando para a parede, quando meu cérebro estava ali estatelado descrente. Vi uma resenha no Goodreads que descrevia o livro como um Black Mirror que não foca em tecnologia, sim em raça e classe. Eu adoro Black Mirror e acho que a vibe é por aí mesmo, embora o desconforto que a obra do Nana me causou tenha um componente bem único que é entender na pele o que é a violência racial na contemporaneidade, ainda que vivamos em países diferentes.
Zimmer Land, The Finkelstein 5, Friday Black, The Era, Through the Flash… são daquelas histórias soco no estômago. Zimmer Land e The Finkelstein 5, que foram minhas favoritas, parecem reais demais para se categorizarem como distopia. E, aqui, eu me pergunto se nesse sentido não poderia se classificar o livro como de terror também.
A escrita do Nana é impiedosa, direta e criativa… Nossa, como é criativa! Algumas histórias eu só não conseguia compreender como que ele tinha amarrado tão bem a realidade em algo tão fora da curva, e a distopia para mim tem essa magia. Quanto mais leio do gênero, mais quero ler (e escrever).
Como geralmente acontece nesses casos, alguns contos gostei mais que outros, e alguns desgraçaram minha cabeça (e logo foram meus prediletos sem nem titubear). Sinto que o Nana já é para mim um autor que é leitura certa, não importa quais outros enredos ele ainda publique por aí.
Descolonizando afetos: Experimentações sobre outras formas de amar
Geni Nuñes

Publicado pela Paidós em 2023, este livro da Geni, que é uma ativista indígena do povo Guarani, foi o primeiro que consegui ler em audiobook (com a atenção de centavos que tenho e tal), e achei incrível, incrível, incrível!
Já faz algum tempo que leio sobre não monogamia, outras formas de relações afetivo-sexuais etc., e sempre me interesso por qualquer modelo (ou não modelo) de existência que se opõe ao padrão, à norma, ao tido como “tradicional e correto”. Muito do que sou desafia tudo isso e, desse modo, acredito mesmo que a melhor forma de existir é desafiando tudo o que nos foi imposto como único.
Adoro que neste livro a Geni nos oferece uma perspectiva histórica do tema, contrapondo quem muito afirma que “não monogamia é coisa da moda” ou mesmo ridiculariza a coisa toda como uma forma de se relacionar de que só determinadas pessoas se beneficiariam ou ainda como algo “de gente evoluída”.
Autonomia e escolha são palavras importantíssimas para mim, bem como a liberdade. E o livro se utiliza de tais ideias para que repensemos nossa forma de categorizar afeto, identificar sentimentos, e até questionar por que pensamos nós mesmos como um produto do amar do outro, e por que achamos que a exclusividade ou priorização do outro para conosco é a única forma de demonstrar tal amor.
Esta foi minha última leitura de janeiro e encerrou um mês, longo e de leituras magníficas, com chave de ouro.
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Inexorável
Giovana se sentou à escrivaninha do quarto, acendeu o pequeno abajur na beirada da mesa e abriu o caderninho que a acompanhava como um fiel escudeiro, ou uma indissociável sombra. Nele, escreveu a frase: “Você sente às vezes que está tentando fugir de um destino que já está acontecendo?”