Poesia

Naquela estação

Estou aqui parada

há algum tempo

esperando um trem

que não chega.

Conforme o relógio

trabalhava

a estação

começou a encher.

Outros

lotaram as plataformas

até a total capacidade.

Após isso,

pessoas continuavam

a chegar e o trem

nada de passar.

O ar começou a ficar

rarefeito;

muitos organismos

a ocupar o mesmo lugar.

A presença era

reconfortante

e desesperadora.

Por um lado,

eu não estava sozinha;

por outro, sabia que

não teria lugar

para todos.

Quando

o trem chegasse,

será que precisaríamos

lutar

por uma vaga?

Se estavam todos ali

esperando do mesmo modo

não seria

um direito conquistado

todos poderem viajar?

Pelo visto

não.

Já posso sentir

os olhares inquietos

prontos para guerrilhar.

Quando que

de companheiros de viagem

nos tornamos

inimigos declarados?

Penso em arriscar

e caminhar,

mas ninguém fez isso.

Tenho medo

de ser a primeira

e descobrir que

o caminho que segui

sozinha

não dá em lugar nenhum.

Então continuo

a aguardar

junto a outros,

por algo do qual

não podemos

arriscar duvidar.

Por algo que

eventualmente

pode

nos atropelar.

E nos trilhos

ficaremos

a sangrar.

Ninguém

ficará para trás

para ajudar

os que caíram.

Ou aqueles

que foram

derrubados.

A estação

vai novamente

lotar.

E os corpos estendidos

destroçados

ao longo dos trilhos

vão desaparecer

debaixo de

um novo trem.

Originalmente publicado no Medium em abril de 2020.

Gabriela Araujo

Tradutora (EN - PT), preparadora e autora de obras de ficção contemporânea.

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