Desde o início do isolamento causado pela pandemia, a arte se mostrou o refúgio para o qual a maioria das pessoas correu. Isso fez renascer o debate sobre a falta de valorização da arte no país, tanto no âmbito financeiro como de relevância social.
Concordo com esse apontamento, mas no ponto de vista do processo criativo penso que a arte vai até mais além.
Estou fazendo o curso de escrita criativa do Matheus de Souza e algo que ele sempre reforça é a importância do escritor ir para a rua e observar o mundo acontecendo; sobretudo, ele acredita que é a partir dessa observação que nasce a criatividade.
Da mesma forma, há algumas semanas a escritora Liliane Prata fez uma colocação em um story no Instagram sobre os três elementos que formam o trabalho autoral: o eu, a técnica e o mundo. Ela afirma que tiramos a nossa inspiração do mundo e criamos com a técnica.
Em ambos os casos, temos a escrita equalizando a arte.
Arte: encontro entre interno e externo
Ambas as colocações fazem todo o sentido do mundo para mim e explicam bastante sobre a minha rotina atual com a escrita.
Estar cercado do mesmo ambiente dia após dia limita o alcance do nosso olhar, o que pode soar bastante óbvio, mas vai diretamente contra o antigo estereótipo de que o artista gosta de estar num ambiente sem janelas e sem contato humano para criar.
Podemos sim criar nessas condições, mas muito provavelmente em algum momento nossa mente vai precisar de alimento. Às vezes o simples observar do vento movendo as folhas de uma árvore já é combustível suficiente para uma nova criação.
“A arte imita a vida e a vida imita a arte”, e para que isso aconteça é necessário haver esse deslocamento. Precisamos do encontro entre o nosso o olhar e o que já existe para que dessa interseção nasça o novo.
O ciclo da criação
Entendo assim que muitas pessoas se ateam à arte não só como uma forma de entretenimento, mas principalmente como um vislumbre desse mundo do qual sentimos falta e que norteia tantos de nossos pensamentos.
Ela não representa somente um conforto como também uma forma de manter um senso de normalidade e de se apegar ao “eu” que gostamos de ser e manter.
É também a maneira que encontramos de extrair a inspiração necessária para permanecer criando. Muitos começaram a desenvolver trabalhos, fictícios ou não, sobre o isolamento social, outros usaram os cenários de suas próprias casas para rodar novos filmes.
Até já escrevi um artigo sobre a importância do ócio criativo para a nossa produtividade. Através de livros, filmes, séries, workshops, webinários e lives musicais temos mantido essa conexão com o mundo que faz de nós quem de fato somos.
Veja só, a própria ideia desse texto veio até mim porque consumi conteúdos por meio de vídeos — a ferramenta moderna pela qual o outro compartilha o seu trabalho autoral.
Assim fixa-se o aprendizado de que nos mais improváveis cenários, usamos da arte para manter a mínima sanidade e de quebra ainda devolvemos mais arte para o mundo.
Foto em destaque reitrada do site Unsplash de acordo com os direitos autorais. Autoria de Joyce Adams.
Leia também
Inexorável
Giovana se sentou à escrivaninha do quarto, acendeu o pequeno abajur na beirada da mesa e abriu o caderninho que a acompanhava como um fiel escudeiro, ou uma indissociável sombra. Nele, escreveu a frase: “Você sente às vezes que está tentando fugir de um destino que já está acontecendo?”
Soletrador
Uma das maiores dificuldades de Pâmela em relação a si mesma era aceitar que seus sentimentos não vinham com uma sinopse. Não era como se pudesse virar a contracapa do livro que ela era e ler ali todo o resumo do que a história dos seus pensamentos revelaria. Não era como se, escondido entrelinhas com espaçamento 1,5cm e…